Poucos contos e alguns trocados.

domingo, 10 de novembro de 2013

Idade do Ouro

Lendo o Senhor dos Anéis, me deparei com uma coisa que, no filme, tu só vê no finalzinho, quando (spoilers, mas acho que todo o mundo já viu a trilogia Lotr) os elfos levam o Bilbo e o Frodo pra além do mar (a Oeste, se não me falha a memória).

Explico o que é: nessa parte, e em quase todo o livro, o narrador (provavelmente Bilbo, porque o LOTR é tradução do Livro Vermelho, escrito pelo Bilbo, ou pelo Frodo), fala nos "Dias Antigos", em que havia maravilhas na Terra Média que não voltam mais.

O Tolkien fala sobre um mundo maravilhoso e consegue te deixar deprimido porque não existem mais maravilhas!

(Provavelmente muita gente não notou isso, mas eu sou extremamente sensível pra esse tipo de coisa).

"Os hobbits, são um povo discreto mas muito antigo, mais numeroso outrora do que é hoje em dia. (...) Hoje, como no passado, não conseguem entender ou gostar de máquinas (...). Mesmo nos tempos antigos,  eles geralmente se sentiam intimidados pelas 'Pessoas Grandes', que é como nos chamam (...)"

Esse trecho, que eu retirei do Prólogo d'A Sociedade do Anel, na parte 1 - A respeito de hobbits, dá a entender que o mundo de hoje, sem magia, elfos, hobbits ou graça, é um estágio posterior à Terra Média, em que havia tudo isso, e que, por sua vez, é um estágio posterior e sem graça dos Dias Antigos.

Pra conseguir essa façanha, só posso concluir que Tolkien é um gênio! (novidade pra ninguém, mas enfim, não tou aqui pra falar disso).

Tolkien reproduziu um mito que vem lá dos gregos (eu já disse pra vocês que eu amo gregos, e romanos por extensão? Se não disse, tou dizendo agora). É o chamado Mito das Idades, segundo o qual, logo ao serem criados, os humanos viviam na chamada Idade do Ouro, em que tudo era feliz e belo. Em seguida, teve a Idade da Prata, em que o mundo era pior que o anterior, mas, ainda assim, melhor que hoje. Depois, foram as idades de Bronze e, finalmente, de Ferro, que foi a Idade vivida pelos Gregos e Romanos.
Leia mais aqui.

Hoje nós estamos vivendo a Idade do Plástico.

Piadas à parte (sim, eu tentei ser engraçada), esse mito ilustra a crença antiga de que o passado é melhor que o presente (Horácio e seu Carpe Diem e toda aquela geração de Otávio Augusto que procurava revisitar valores antigos pra salvar Roma da decadência pensavam assim - sim, os dias de glória de Roma também foram o inicio da sua decadência), por isso a tradição era muito respeitada, pois, afinal, se o passado era melhor, os costumes também eram, correto?

Hoje pensamos diferente (nem tanto, porque tem um monte de gente - jovem, até - dizendo que antigamente as coisas eram melhores - alguém conta pra eles que, se eles gostam da tradição tanto assim, é tradicional que os velhos que gostem da tradição), porque a modernidade alterou bastante o nosso pensamento, e hoje sai um celular novo toda semana, roupas diferentes, etc. Foi essa mudança de pensamento que criou a moda e as outras coisas.

O mais engraçado disso tudo é que os textos romanos, apesar de o sentimento deles ser muito mais forte que o do Tolkien (os romanos acreditavam realmente naquilo, e o Tolkien só reproduziu, afinal, ele viveu no século XX), não me passam esse sentimento de angústia por um passado que jamais retornará. Talvez porque eu sei que hoje o mundo é melhor do que naquela época - apesar de eles usarem roupas legais e não terem faculdade.

Outra coisa bem legal desse mito é que uma das versões dizia, que depois de não sei quantos mil anos de Idade do Ferro, do máximo da decadência,  voltaria a Idade do Ouro, depois a da Prata, e assim por diante. 

Percebam que ele guarda algumas semelhanças com o Paraíso cristão, segundo o qual o homem vivia num lugar maravilhoso e, por causa dos seus pecados, foi viver em um lugar ruim mas que, quando morrer, vai voltar. A diferença crucial é que ele não prevê um retorno ao lugar ruim nem um novo pecado, depois. Portanto, o tempo cristão é linear (como o nosso) e o grego era circular.

Bem, acho que é isso. Vou parar antes que eu viaje mais.