Poucos contos e alguns trocados.

domingo, 17 de abril de 2016

Fobias

Hoje eu vou fazer um post bem pessoal.

Existe uma coisa da qual eu tenho pavor. Homem gritando. Eu não posso ouvir um homem falar mais alto na rua que eu quero sair correndo e me esconder num abrigo anti-bomba. Mas não é qualquer homem. Vou explicar direitinho pra vocês.

Sabe aqueles funks bem "casqueiros" em que um sujeito berra canta coisas obscenas e que normalmente é tocado em carros pretos rebaixados com uma película petróleo-escuro nos vidros? (por que carros rebaixados normalmente são pretos?) Parece que todos os mcs homens têm exatamente a mesma voz e cantam exatamente do mesmo jeito, meio gritado, uma voz aguda e "suja". É daquele tom de voz masculino que eu tenho pavor.

Claro que provavelmente esse parágrafo está incrustado de preconceitos, mas são assim todos os funks que eu já ouvi. E todos eles me causam essa mesma sensação de desespero. 

Obviamente não são somente funks cantados por MCs masculinos que me causam essa sensação. Qualquer homem que tenha uma voz parecida com as dos tais MCs me causa a mesma coisa. Um dia, eu estava voltando pra casa da costura e tinha três rapazes com roupas de operários caminhando juntos e conversando. Eu, obviamente, não dei a menor bola, porque né, coisa mais normal do mundo três homens caminhando e conversando - principalmente naqueles trajes, já que tem uma construção lá perto. Lá pelas tantas, um deles falou mais alto e eu quase saí correndo, por causa da voz dele. Outro respondeu mais ou menos no mesmo tom - eles não estavam brigando, pareciam empolgados - e eu fiquei mais tranquila, porque ele tinha uma voz normal, mais grave (o negro, os outros dois eram brancos e eu simplesmente não consegui identificar qual dos dois brancos tinha a voz que me apavorou).

Explicado o fenômeno, agora vou tentar explicar o porquê.

Quando eu estava mais ou menos na terceira série, tinha uns vizinhos de rua que eram pessoas absolutamente detestáveis. Vendiam drogas, ameaçavam e roubavam os outros vizinhos, brigavam na rua, faziam escândalos no meio da noite, entre outras coisas. Era uma família enorme, que se agrupava em torno de um senhor de idade que mora lá até hoje. Um dos muitos netos desse senhor era um rapaz vários anos mais velho que eu que estudava na minha sala - este é um dos motivos pelo qual eu não sou contra a aprovação automática de alunos-problema. 

O tal do piá era uma verdadeira praga - em todos os sentidos - que me fez muito mal. Não só a mim, obviamente, mas eu só sei do que ele fez pra mim. E ele tinha a voz maldita que me apavora. Eu digo tinha porque ele já morreu. Foi morto por outros bandidos. (Na verdade, soube de outros colegas daquela época que estão mortos ou presos - eu não morava num lugar muito fofo, como vocês podem ver). Quando minha mãe soube disso, ela ficou horrorizada. Eu não. Não cheguei a dizer "graças a Deus" ou a ficar feliz, porque ele já tinha sumido da minha vida havia anos. Mas não fiquei nem surpresa. Eu só disse "colheu o que plantou" o que, no fim das contas, não é mentira. 

Claro que, se ele tivesse morrido naquela época, há uns 15 anos atrás, eu teria, realmente, dado graças a Deus. Do tipo "já foi tarde".

Outras coisas daquela época me marcavam. Até hoje eu tenho vontade de encher de porrada quem fala para meninas que, quando um garoto lhe faz mal, é porque gosta dela, ou de gente que "shippa" a Mônica e o Cebolinha. Porque o que eu mais ouvi naquela época era que o tal piá - que me fez muito mal, inclusive ameaças de morte - gostava de mim. Isso me provocava verdadeiro terror. Hoje eu sei que é só uma desculpa estapafúrdia dos adultos para não precisarem tomar uma atitude em casos de bullying - sim, é um atestado de incompetência dos responsáveis (justamente as pessoas que falam - e se orgulham - de terem sido educadas na base da porrada). Hoje eu também sei que eu sou livre pra dizer não a qualquer pessoa que eu não goste que tenha a audácia de querer alguma coisa romântica comigo.

Esse tipo de post me faz muito bem

Nota pra quem não é do sul: piá significa "menino" e não tem nenhum significado pejorativo. "Piazada" é o mesmo que "garotada". O "feminino" de piá é guria. Eu nunca vi ninguém usar essa palavra no plural, somente em construções do tipo "os piá são..."

A segunda coisa que ainda me assusta um pouco é uma que me disseram poucas vezes mas, como eu ouvi da minha mãe e da professora da escolinha do Centro Espírita (e esse é um dos motivos pelos quais eu fugi do Centro na primeira oportunidade), me marcou ainda mais que a outra. Ela dizia algo como pessoas que não conseguem se reconciliar durante uma vida normalmente nascem muito próximas na vida seguinte, como irmãos ou algo do tipo. Façam, agora, um exercício de empatia. Como deve se sentir uma pessoa que foi humilhada, perseguida, maltratada, chantageada de ter que conviver proximamente com o seu agressor numa possível vida futura? Se Deus existe, e permite esse tipo de coisa, Ele é um sádico que se diverte em ver as pessoas sofrerem, e não um pai amoroso como a maioria dos espíritas prega. (Por isso que eu prefiro o judaísmo antigo, que assume que Deus é um carrasco e que o melhor a fazer é ter medo dEle. É mais coerente). Enfim, tenho várias críticas ao espiritismo, e a maioria delas é mais com relação às besteiras que palestrantes e frequentadores falam do que à doutrina (escrita por Kardec) em si. Mas isso é assunto pra outro post.

Acho que é isso. Queria dizer que eu sei que ele tinha motivos para ser do jeito que era.  Uma família problemática, numa situação de risco social... Mas vai explicar isso pro meu subconsciente, vai.










quarta-feira, 13 de abril de 2016

Sobre segundas-feiras



Essas duas músicas dos Engenheiros do Hawaii eu acho simplesmente geniais. O instrumental é um espetáculo à parte, mas primeiro eu quero falar das letras.

Eu acho a primeira música melhor, pela própria combinação entre o instrumental (que é a maior diferença entre elas) e a letra, que fala sobre uma segunda-feira figurada, a segunda-feira da história, em que todas as (antigas) utopias de como se deveria fazer um mundo melhor (as festas e os lazeres do fim de semana) acabaram ou perderam o sentido.

(Atenção: eu disse todas as utopias. Nem o cristianismo escapa da "crítica": "onde estão os caras que pregavam no deserto? o deserto continua lá...")

Os lazeres do final de semana acabam e dão lugar à modorrenta, tediosa e depressiva segunda-feira.

Quem nunca se sentiu entediado e preguiçoso numa segunda-feira que atire a primeira pedra. E isso não significa que tu sejas um vagabundo que não gosta de trabalhar. Aliás, mesmo que tu não goste de trabalhar, não há nada de errado nisso, afinal não prejudica ninguém não gostar ou não querer trabalhar.


Voltando ao assunto, eu tinha concluído que vivemos uma espécie de segunda-feira das utopias, onde nada mais faz sentido (pensem na própria pós-modernidade).

Pra quem não entende o que é a pós modernidade, pensem que até a Segunda Guerra Mundial (principalmente) o pensamento dominante era o positivismo, que acreditava que a humanidade ia evoluir, evoluir, evoluir, tanto em termos de tecnologia quanto em sociedade. E depois houve a Guerra. Onde seres humanos altamente evoluídos tecnologicamente foram capazes das maiores atrocidades, como Auschwitz e Hiroshima. E se jogou a derradeira pá de cal sobre o positivismo.

Obs: Machado de Assis já criticava o positivismo, leiam O Alienista.

Obs 2: A teoria Marxista é considerada moderna, pois considera uma linearidade temporal (o tempo como uma evolução, na ordem: sociedade capitalista, revolução, socialismo, comunismo e todos felizes).

A Pós-Modernidade é um gigantesco balaio de gatos, mas ela, basicamente, questiona os parâmetros anteriores e os relativiza. Como um exemplo bem claro, temos as teorias feministas. As teorias modernas tomam "mulher" como um conceito claro e explícito, no sentido de fêmeas humanas, nascidas com vagina. As teorias pós-modernas usam um conceito um tanto nebuloso como a autoafirmação - portanto pessoas designadas como homens pela sociedade podem ser mulheres. Leia um pouco mais sobre isso aqui.
Outro exemplo: arte, para a pós-modernidade, pode ser qualquer coisa.


 A verdade é que eu estava enganada. Basta rolar a timeline do Facebook e ver a quantidade de caras que acenam com a mão invisível um mercado para todos nós e de caras que lutam no dia-a-dia sem perder a ternura jamais.  (sobre isso, recomendo a página Anarcomiguxos, em que esses dois tipos de caras se digladiam diariamente nos comentários). Ah, sim, tem os caras que pregam no deserto também.

Observação: a Andy comentou que todos esses caras são como os comentaristas políticos ou de futebol, que sabem tudo que deve ser feito - de fora - mas na hora H em que eles devem fazer alguma coisa, não fazem nada. O Veríssimo tem uma crônica incrível sobre isso, chamada Salvação, no livro Comédias da Vida Pública, publicado em 1995, pela LePM. Nela, Sarney (o então presidente do Brasil) recebe uma ligação de Deus, que quer aconselhá-lo sobre como contornar a crise no nosso país (sim, galera, não foi o PT que inventou as crises não, elas são muito, mas muito antigas). A crônica diz o seguinte:

E, seguindo o plano de Deus, Sarney convidou o Delfim para o Ministério da Fazenda, para consternação geral. E Funaro e Sayad, afastados de seus cargos, passaram a escrever artigos sobre economia nos jornais. E como todos os economistas, quando não estão no governo e sim escrevendo nos jornais, têm todas as respostas e soluções para os problemas do país, bastou ao Sarney fazer o que seus ex-ministros escreviam, em vez do que o Delfim (de volta ao governo e portanto sem saber o que fazer) mandava, para que tudo começasse a dar certo. E Sarney deu graças a Deus. (p. 183, negrito meu)

Autoexplicativa, eu acho. Outro bom exemplo é o Neto Corintiano, comentarista futebolístico da Band. Ele sempre sabe tudo que deve ser feito pra que determinado time (normalmente o Corínthians) ganhe o jogo. Mas virar técnico de futebol que é bom nada, né?

Depois desse auê todo, eu desisti da minha ideia. Não estamos vivendo uma grande segunda-feira. Mas a sensação de segunda-feira permanecia. E foi aí que eu concluí o óbvio. EU estou vivendo uma segunda-feira, por isso EU  tenho a sensação de segunda-feira eterna. (Lembrando que vemos o mundo do nosso ponto de vista).

E de onde vem essa sensação? Bom, eu tenho depressão. E eu, até agora, não vi metáfora melhor pra depressão que uma eterna segunda-feira. Sabe aquele dia que nada empolga, que você está entediado e cansado e que o mundo parece não girar? Então. E não é simplesmente "reagir", "ter fé em Deus" ou sei lá mais quê que gostem de recomendar. Ou pra quem acha que é: faz isso pra ficar alegre e empolgado numa segunda-feira chuvosa e fria. 

Enfim. Conversei um pouco com a minha psicóloga sobre isso e ela achou que tinha a ver com o meu desgosto com o trabalho (do qual vou sair o quanto antes), mas eu acho que é um pouco mais profunda a coisa, pois essa sensação de segunda-feira no ar (em relação a política, religião, futebol, academia, literatura, música e tudo o mais) já está presente faz um bom tempo, tanto que, quando eu pensei pela primeira vez na ideia de estarmos vivendo uma segunda-feira da história, eu ainda estava na faculdade.

Enfim, acho que é isso. A pergunta que eu queria fazer não pode ser "quem aí também odeia a segunda-feira" mas é a seguinte "como tornar a segunda mais suportável?"

Fica o questionamento. Talvez, um dia, eu traga algumas respostas.