Poucos contos e alguns trocados.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Infâncias #2 ou A menina que (não) amava cemitérios

Achei essa imagem na internet.

Continuando o post sobre crianças (leia o #1 aqui), teve o dia em que eu fui pra Nova Trento, no Santuário da Madre Paulina, um lugar visitado majoritariamente por idosos, todos fascinados pelas novas tecnologias que permitem tirar foto sem comprar filme (vejam que avançado).

Bom, a Andy e eu estávamos sentadas num dos banquinhos do lugar, sob uma árvore, quando passou por nós uma família grande com uma menininha (e só quem já foi criança sabe o quanto é chato ser a única criança  no meio de um monte de adultos, ainda mais em um lugar que não foi feito para receber pequenos romeiros).

Então, eles estavam passando pela gente, quando a menina disse:

-Vocês não vão tirar foto do cemitério?

(Tem um cemitério lá, perto da igreja velha e tota pulchra)

Os pais, avós e tios presentes começaram a rir, tipo, own que fofo, ela nem sabe o que tá falando.

Eu e a Andy nos olhamos "loool, essa minazinha tem futuro" Ps: A Andy adora fotos de anjos de cemitério e túmulos, vai entender

E o comboio de adultos rindo. E ela largou:

-Eu sei que não pode tirar, tá?

Bom. Não que ela tivesse vocação pra gótica, mas porque tinha percebido que os adultos, nascidos no século passado, o longícuo século XX (imaginem como aparece 1980 na mente de uma criança de menos de cinco anos), estavam fascinados pela possibilidade de tirar quantas fotos quisessem (e totalmente de graça!) estavam simplesmente aproveitando pra fotografar TU-DO  (inclusive o cemitério, como bem observou ela, com ironia e genialidade próprias de  uma criança de cinco anos).

Enfim, uma criança de futuro.

E, agora, as minhas fotos (tão olhando o quê, eu também nasci no século passado u.u):
Natureza de Nova Trento

Tem pavões lá

Essa foto ficou bonita



sábado, 23 de fevereiro de 2013

Sacrifício

Esse conto eu escrevi para um trabalho de Literatura Latina II e, como eu gostei muito, trago pra vocês:


Liber II
II VII
O saepe mecum tempus in ultimum

deducte Bruto militiae duce,

    quis te redonauit Quiritem

          dis patriis Italoque caelo,



Pompei, meorum prime sodalium?

cum quo morantem saepe diem mero

    fregi coronatus nitentis

          malobathro Syrio capillos.



Tecum Philippos et celerem fugam

sensi relicta non bene parmula,

    cum fracta uirtus, et minaces

          turpe solum tetigere mento.



sed me per hostis Mercurius celer

denso pauentem sustulit aere;

    te rursos in bellum resorbens

          unda fretis tulit aestuosis.



ergo obligatam redde Ioui dapem

longaque fessum militia latus

    depone sub lauru mea, nec

          parce cadis tibi destinatis.





obliuioso leuia Massico

ciboria exple; funde capacibus

unguenta de conchis. Quis udo

    deproperare apio coronas





curatue myrto? quem Venus arbitrum

dicet bibendi? non ego sanius

    bacchabor Edonis: recepto

          dulce mihi furere est amico.
Livro 2
II 7


Finalmente de volta, meu amigo:

Ó Pompeu,

        o primeiro dos meus companheiros,

        arrastado tantas vezes comigo ao perigo extremo,

        sob o comando de Bruto,

        com quem muitas vezes passei parte de longos dias

        com copo na mão

        e ornados de flores os cabelos perfumados de aromas da Síria.

        Quem foi que te restituiu

             à Roma,

             aos deuses pátrios,

             e ao céu da Itália?

Compartilhei contigo a derrota dos Filipos

e a rápida fuga dos nossos,

lançando para longe o escudo vergonhoso

quando o valor dos nossos estava quebrado

e quando os mais corajosos enterraram o queixo no solo ensangüentado...



Depois de longa separação, festejemos o reencontro:

       Mas o veloz Mercúrio

       me acompanhou a mim, louco de medo,

       por meio do inimigo através de uma nuvem de poeira

       enquanto nova onda te engoliu

       e te arrastou para novas guerras em mares tempestuosos!



Agora oferece a Júpiter o sacrifício prometido,

           reclina debaixo do meu loureiro o corpo cansado com as longas guerras,

           não poupes as ânforas para ti reservadas.

           Enche polidas taças de Mássico que tudo faz esquecer,

           derrama sobre ti perfumes abundantes de frascos-conchas.

           Quem nos há de tecer logo coroas frescas de aipo ou de murta?

           A quem nomeará Vênus rei do banquete?

           Quero festejar a Baco à moda dos trácios,

           gosto de estar fora de mim quando recupero um amigo.



-Vamos comemorar! – exclamou um soldado, erguendo o copo. Haviam, finalmente, conseguido vencer a guerra, e aquele vinho era mais do que merecido. 

Horácio viu os amigos beberem e rirem e gritarem, extasiados com a vitória. Não podia evitar sorrir. 

-Um grande vinho para um grande dia! – Pompeu deu uns tapas nas costas do poeta. - Vamos beber, porque estamos vivos, não é mesmo? 

Horácio estava feliz, não tinham tido muitas baixas – além do normal, claro – e seu grande amigo estava ali, um pouco alegre pela bebida já, mas vivo e bem. Apesar da grande alegria, um alarme se acendeu em seu espírito:

-Vocês estão bebendo desse vinho?!

Pompeu franziu a testa, estranhando:

-Ué, é um excelente vinho! A melhor safra desde a grande safra da quarta Olimpíada, que até hoje é celebrada pelos poetas!

-Por isso mesmo! – gritou Horácio, puxando o caneco da mão do guerreiro. – Nós não fizemos o sacrifício para agradecer aos deuses pela nossa vitória!

Alguns homens riram, outros se revoltaram:

-E desperdiçar o melhor vinho, o único alimento bom que tomamos em semanas?!

Horácio sentiu o desespero crescer em seu peito. Não podia deixar que fizessem isso. Não podia.

-Não sejais tolos, gritou. A maré de sorte que tivemos hoje veio dos deuses, e Eles podem nos tirar dela!

Mas ninguém o ouvia. Na verdade, ouviam sim. Mas estavam felizes e famintos demais para prestar a atenção a um homem que lhes exortava a parar de comemorar tudo que conseguiram. Pompeu pegou o caneco de volta, e bebeu até o fim.

O poeta desabou, caiu sentado e ficou olhando o chão, temendo o castigo que sabia que viria. Seu amigo sentou-se ao seu lado, lhe ofereceu um pedaço do carneiro que haviam assado.

-Poetas também se cansam quando lutam, disse.

-Os deuses... – murmurou Horácio. Não quis. Não podia comer ali, não podia beber do maravilhoso vinho. 
Não desagradaria a nenhum dos seus deuses.

Pompeu não lhe deu ouvidos, inebriado pela dança e pela festa. Por isso mesmo, não viu o grande amigo se retirar para fazer algumas preces, pedindo perdão pelos seus companheiros.

--x-x-x-x-

Horácio acordou com os primeiros raios de sol na gruta em que fizera as preces. Espreguiçou-se, e se descobriu faminto. Resolveu procurar os amigos para fazer o desjejum com eles, pois agora estava quite com suas obrigações divinas. Desceu com cuidado (a estrada era íngreme) até o local onde os deixara, descobrindo, aterrorizado, os restos do acampamento da noite anterior sob uma multidão de cadáveres entre os quais, decapitado, reconheceu o de Pompeu, coberto pelo escudo que herdara do pai.

O poeta não tentou não chorar. Ele havia... avisado... Deuses, deuses, por quê?! 

Abraçou o belíssimo escudo e abandonou o que havia sido um acampamento vitorioso. Levaria a herança para Roma, para que o filho de Pompeu pudesse ver o que o honrado pai conquistara e deixara escapar entre os dedos. 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Infâncias #1 ou O guri que descobriu cedo demais que o pai não é foda


Cenas de Itapema #1: anoitece


Outro dia eu fui pra Itapema (pra quem não conhece, é a praia mais gaúcha de SC – ah, vai o povo de Chapecó pra lá também) aí ficamos caminhando no calçadão e tals, bem de turista, e, quando paramos pra comer um milho verde, eu vi um piazinho de camiseta amarela com uma caveirinha fofa de pirata estampada brincando na areia (o piá tava brincando na areia, não a caveira e muito menos o pirata). Confuso? Tá, eu reescrevo.

Quando paramos pra comer milho, eu vi, brincando na areia, um piazinho com...

Não, péra. Quando paramos pra comer milho, eu vi um piazinho brincando na areia. Ele usava uma camiseta amarela com uma caveira de pirata. Ufa.

Melhorou.

E aí eu tava dizendo que o piá de camiseta amarela tava brincando de fazer castelinho de areia com um  cara que, eu acho, era o pai. Afinal, quem além do pai se disporia a perder tempo brincar com o guri (o meu não se dispunha – nunca superei isso).

Bom, a verdade é que, fazendo isso (ou não fazendo, uma vez que ele não brincava), meu pai me poupou de uma baita decepção, como veremos a seguir.

Tava lá o cara com a maior boa vontade do mundo, ajudando o filho a fazer um morro castelo de areia, quando...

Pausa aqui pra explicar um detalhe: eles tinham uma forminha de peixe (daquelas pra tu encher de areia, virar no chão e ficar um montinho de areia em forma de peixe). Lembram disso? 

O desditoso pai encheu aquele troço com areia molhada e queria virar em cima do monte, digo, castelo. Acontece que o cara bateu, bateu, socou, amassou o morro castelo e nada da areia sair. Isso que dá não untar a forma

Até aí, tudo bem, até porque isso é difícil mesmo, ainda mais com areia molhada. O problema – e o que me chamou a atenção – foi a decepção do guri. Ele ficou parado, empezinho, camiseta suja de areia, olhando o pai ser cruelmente massacrado por um peixe plástico!

E eu fiquei olhando a cena. Se havia um pai mais foda que o Superman, ele morreu naquele minuto. Como, pensava o guri, o meu pai, que luta contra monstros e aliens, pode ser derrotado por uma forminha plástica?

E assim o superpai desaparece para dar lugar a um ser derrotado que acabou por lavar a forma-peixe-assassina no mar.

Triste isso, não?

Ps.: depois, mais à noite, vimos golfinhos. (não, não deu pra fotografar eles, tavam muito longe)
Cenas de Itapema #2: Salva-vidas sem teto