Aviso: esse é um conto de terror. Eu já tinha achado a história pesada quando pensei nela, e, depois que escrevi, percebi que ficou mais pesada ainda. Talvez eu tenha exagerado. Mas enfim. Tem mortes, aparecem pessoas mutiladas e outros horrores comuns em filmes de terror. Se resolver ler, não diga que eu não avisei.
Eu tive essa ideia dentro de outra ideia maior, que foi descartada por falta de talento pra escrever meu mesmo. A história era sobre uma menina que conseguia ressuscitar o Machado de Assis nos dias de hoje. Ela levava o escritor para assistir a um filme de terror, e a história do filme é a do conto ora apresentado.
Eu não ia escrever, mas fui incentivada principalmente pela Thainá Hank, que insistiu para que eu a escrevesse. Comecei esse conto três vezes, e ainda não estou satisfeita com o começo.
Enfim. Classificação +16, com ressalvas. Acho que não tem nenhum palavrão.
Além da vingança
Não havia palavras para descrever aquela mulher. Os
xingamentos habituais eram ineficazes. Talvez nunca se invente um palavrão
capaz de descrever alguém que se compraz em provocar ódio e humilhação em
subalternos do jeito que ela fazia.
Lucas, porém, fora o mais ofendido. Ela não se contentara em
fazer comentários sarcásticos sobre o peso dele e sobre as suas notas então lhe
aplicou um castigo com o fim de ridicularizá-lo. O pobre rapaz só faltou
chorar, mas, graças a Deus, se conteve.
Queriam vingança. Processo seria muito pouco. Foi aí que
Tainá, a mais corajosa – ou a mais louca – sugeriu pedirem ajuda do além.
Invocar um espírito para assombrar a inimiga.
A juventude e a raiva fizeram-nos concordar. Desejaram o
pior espírito que pudessem invocar. Cada um se concentrou nisso e deram as mãos
para chamá-lo.Demorou alguns minutos – eles chegaram a pensar que não tinha
dado certo, mas aí a lâmpada começou a piscar e a porta bateu três vezes.
Quando a luz apagou sozinha, Tainá gritou “está aí?” e o copo, sozinho, como
por mágica, voou na direção do “sim”.
Apertaram mais as mãos.
-Queremos que nos ajude em nossa vingança!
Enquanto o copo se movia, houve um silêncio em que podiam
ouvir seus corações batendo em uníssono. O espírito pediu, por fim, apenas o
nome completo da nossa inimiga. Forneceram, tremendo.
Passou um vento gelado por eles e a luz voltou a acender,
como que por milagre.
Nenhum deles voltou a falar do ocorrido naquela noite, nem
no fim de semana que se seguiu. Na
segunda-feira, porém, todos foram conferir
se a professora estava dando aula. E, para o alívio deles, estava.
-Essa história de fantasma é balela – começou Leonardo, após
a verem.
-Na hora, tu tava com medo.
-Eu fiquei, digamos, surpreso, com aquele copo se mexendo
sozinho.
-Por falar em copo se mexendo sozinho, como isso foi
acontecer, se não existe fantasma? – questionou Tainá, causando um arrepio em
todos. Fizeram um silêncio de medo, que foi quebrado por Leonardo:
-Galera, não aconteceu nada com ela! Se era mesmo um
espírito, tava zoando a gente.
À noite, Lucas encaminhava-se para casa, a pé, como de
costume. Ele passava por uns becos meio desertos – já tivera medo daquele caminho, mas não tinha mais. Naquele
dia, porém, estava sobressaltado. O coração batia irregularmente e ele olhava
em redor com frequência. Parecia que algo o espreitava. Andou mais rápido.
Calma, Lucas, dizia para si, mas não conseguiu evitar o medo.
Deteve-se quando viu um carro parado na esquina. Começou a
andar devagar, cuidando para seus passos não fazerem barulho na rua silenciosa.
Quando passou pelo automóvel, lançou um olhar para dentro e não pôde segurar o
grito.
No banco do motorista, estava uma mulher debruçada sobre o
volante. Sua cabeça fora cortada mas ainda estava sobre os ombros, virada em
180º, com os olhos abertos e uma expressão de medonho pavor na face.
Havia sangue respingado pelos bancos, painel e até nos
vidros, e, no para-brisa se lia “feito” em letras maiúsculas. O braço direito
fora arrancado e o dedo indicador estava um pouco abaixo da letra “O”, como se
ela mesma tivesse escrito isso com o próprio sangue.
Lucas, pálido, reconheceu a mulher do carro: era a sua
professora. Aterrorizado, correu para casa, onde passou a noite em claro,
febril e vomitando água. No dia seguinte, não foi à aula, mas seus amigos
souberam do ocorrido pelo jornal e isso era assunto no colégio todo.
-x-x-x-x-
A professora tinha um único filho, Jorge, que, é claro,
ficou muito chocado com a horrível morte da mãe.
O rapaz estudava em um colégio particular, onde era muito
detestado, por ser irritante e mimado. Apesar disso, tinha alguns puxa-sacos
que o seguiam aonde quer que ele fosse.
No fim, ele desejou se vingar do que fizeram à sua mãe.
Chamou esses puxa-sacos e organizou um jogo do copo. Sequer sentiu medo,
enquanto seus colegas tremiam:
-Quero vingança – bradou para o espírito. – Quero que esses
malditos sofram como eu sofri. Mate as mães deles, na frente deles.
A assombração não respondeu e sumiu, causando um vento gélido nos
participantes da mesa.
-x-x-x-x-x
Na quinta-feira à noite, Helena estava no computador
finalizando um trabalho quando a luz começou a oscilar. Quando o relógio
bateu meia-noite, o computador apagou de
repente. Ela xingou um palavrão. Tentou reiniciar o aparelho, pressionando o
botão start, mas não obteve sucesso.
Tirou da tomada e contou até cinco. Foi então que abriu uma tela cinza chumbo.
Começou a piscar o iconezinho de texto, como se fosse para ela escrever.
Assustada, a menina pressionou a tecla de espaço.
E começaram a surgir letras maiúsculas verdes neon, como nos
computadores antigos. As letras formaram a palavra “vingança”. A garota
conseguiu tirar uma foto com o celular, antes de a tela apagar, junto com todas
as luzes acesas.
Apavorada, foi tropeçando até a cozinha, em busca de uma
vela. Quando encontrou, suas mãos tremiam tanto que ela não conseguiu acender o
isqueiro. Nem teve tempo. Foi agarrada pelo pescoço por duas mãos invisíveis.
Debateu-se, mas não conseguiu se soltar. Procurou com as mãos alguma parte vulnerável do corpo do agressor,
mas não encontrou nada: ele era apenas as mãos.
Aterrorizada, ela levou as mãos ao pescoço, para tentar
soltar as que lhe sufocavam, mas não conseguiu achar nada. O ar já lhe faltava
quando sentiu uma voz preenchendo o
ambiente:
“Não os deixarei em paz até que paguem até o último centavo”
Ela abriu bem a boca: queria gritar, precisava respirar.
Debateu-se de novo. E aí foi arrastada até o quarto de seus pais, derrubando
móveis, enfeites, quadros e tudo que se encontrava pelo caminho. Lá, eles
dormiam placidamente. O fantasma prendeu Helena à parede com algemas
invisíveis enquanto puxava o corpo
adormecido da mãe pela cabeça. Fez ele dançar pelo quarto, enquanto a menina
chorava de pavor, sufocada ainda, embora já conseguisse sorver um pouco de ar.
Ela gemia baixinho “pai, acorda, pai, socorro”, pois não conseguia gritar.
No dia seguinte, a polícia foi chamada pelo pai de Helena,
que encontrara a esposa morta ao seu lado, com a cabeça virada em 180º e sem o
braço direito, encontrado apertando o pescoço da filha desmaiada. Havia sangue
por todo o aposento, e, escrito na parede, ao lado de uma foto da família,
“vingança”.
A casa estava um verdadeiro caos, como se tivesse sido
varrida por um furacão.
No celular da menina, foi encontrada a foto que ela tirara
do monitor, em que parte da mensagem aparecia ao lado de um vulto azul
brilhante.
Os amigos foram visitá-la no hospital, mas ela não conseguia
falar, pois estava ainda em estado de choque.
-x-x-x-x-x
Na noite seguinte, Lucas pediu para dormir com a mãe. Ela
achou graça de ouvir um pedido desses de um rapaz daquela idade, mas lembrou-se do trauma que ele passara e
concordou.
A mulher logo adormeceu, mas seu filho não fechou os olhos
por um bom tempo. A cada barulhinho ele sobressaltava e levava a mão ao
crucifixo do pescoço.
À meia-noite, ele cochilava um pouquinho quando acordou de
repente, assustado. Seu corpo se movia sozinho. A mãe dormia inocentemente e
Lucas foi obrigado a ver suas próprias mãos arrancarem o braço direito dela,
com uma força que ele nunca teve. Ela acordou com a dor absurda e viu o filho
com os olhos apavorados e o seu braço apertado entre os dedos.
-Lucas, o que você está fazendo, Lucas, pelo amor de Deus
Ele deu um tapa nela com a mão dela própria, com tanta força
que a mãe foi jogada no chão.
-Lucas, olha pra mim, eu sou tua mãe, nunca te quis mal, eu
te amo Lucas
Ele era obrigado a ver quem mais amava ajoelhada implorando
pela vida, e ele próprio era o algoz. Aproximou-se dela e agarrou-lhe o
pescoço, ela começou a se debater:
-Para, Lucas, pelo amor de Deus, quer matar a tua mãe
Conseguiu soltar, a mãe o empurrou, saiu correndo em direção
da porta, gritando por socorro. Ele foi atrás, a mente lutando contra o corpo,
sem sucesso. Nem falar ele conseguia. Alcançou-a antes de chegarem à sala,
agarrou-lhe novamente o pescoço, asfixiando-a com os dedos, com uma força que
não pertencia ao miúdo Lucas. A mãe,
desesperada, catou um vaso com o braço que lhe sobrara e o quebrou na cabeça do
filho, abrindo um corte na testa. O pequeno Lucas desmaiaria com aquilo, mas
agora ele estava possuído pelo diabo. Não desmaiou mas soltou a mãe, ela correu
pra cozinha, atrás da chave do apartamento, foi perseguida e encurralada. Dessa
vez, em lugar de asfixia, que demorava muito, Lucas torceu o pescoço dela,
fazendo a cabeça fazer um ângulo de 180º.
Quando os vizinhos, alarmados com os gritos de socorro,
arrombaram a porta, encontraram a mulher morta na cozinha, a casa cheia de
sangue, que também fora usado para escrever “vingança” no janelão da sala e
Lucas enforcado no lustre.
-x-x-x-
Leonardo, apavorado com os acontecimentos, comprou sal
grosso no atacado e despejou nas soleiras das portas e janelas da casa, rezando
padres-nossos, aves-marias e credos enquanto o fazia. Pendurou um crucifixo na
porta de entrada e outro na porta do quarto dos avós, pois morava com eles.
Também aspergiu água benta por toda a casa e fez um círculo de sal no meio do
tapete da sala, onde pretendia ficar jogando vídeo-game para não dormir.
Perto da meia-noite, seu telefone tocou. Ele foi até o
quarto buscar o aparelho, e o atendeu por lá. Era Tainá, preocupada:
-Por enquanto, aqui tá de boas – disse ele.
-Aqui também, mas estou morta de sono.
-Aguenta firme, guria. Sal grosso é infalível.
-Tu foi visitar a Helena?
-Sim. Ela tava na mesma, coitada.
-Contou pra ela do Lucas?
-Não. Achei que ia ser pior pra ela.
Conversaram por alguns minutos. Após desligarem, Leonardo
voltou a seu posto na sala, e encontrou a avó varrendo o sal.
-Que bagunça é essa, Leonardo?
-Vó! O que a senhora tá fazendo?
-Limpando essa bagunça, claro. Por que tu fez isso?
-Vó, é quase meia-noite, a senhora tinha que estar dormindo!
-Com essa bagunça?
Ele suspirou. A pobre senhora tinha mania de limpeza, mas
precisava impedi-la.
-Vamos fazer o seguinte: a senhora vai dormir e eu limpo
tudo.
Ela ergueu a sobrancelha, desconfiada:
-Limpa mesmo?
-Sim, vó. Agora é melhor a senhora descansar.
A velhinha se deu por vencida e foi para a cama. Leonardo
ajeitou como pôde o círculo de sal e voltou ao vídeo-game.
À meia-noite em ponto, sua avó voltou à sala.
-Eu já vou limpar, vó, relaxa.
A voz que respondeu não era dela. Era uma voz rouca e
gutural, que sibilou:
- Vin-gan-ça
Leo ergueu os olhos, desgrudando-os da tela:
-Vó?!
A cabeça dela já estava virada em 180º:
-Vin-gan-ça
- VÔ, SOCORRO! – gritou o rapaz, encolhendo-se no círculo de
sal. Ele sabia que não podia sair dali, a menos que quisesse morrer enforcado,
como o Lucas. Talvez nem fosse uma boa ideia chamar o avô.
O corpo da avó, repetindo “vingança” mecanicamente, começou
a destruir o que encontrava pela frente,
e a se mutilar, escrevendo vingança pelas paredes com sangue, com uma
letra cada vez pior, até que a palavra
se tornou apenas garranchos ininteligíveis.
Leonardo, horrorizado, achou que aquilo estava indo longe
demais. Começou a jogar coisas nela, que ignorou sumariamente. Então, ele
resolveu jogar algo mais pesado: a TV. Levantou-se para pegá-la, mas, assim que
pôs o pé para fora do círculo, a avó virou a cabeça em 180º de novo e avançou
na direção dele, puxando-o definitivamente para longe do sal.
Ele chegou a principiar a palavra “socorro”, mas não
conseguiu concluí-la. Seu pescoço foi torcido, e a cabeça, virada para trás.
O avô, de manhã, infartou ao ver a esposa e o neto com as
cabeças invertidas e os braços direitos arrancados e a sala toda suja de
sangue, com milhares de vinganças espalhadas pela parede.
-x-x-x-x-
Tainá soube do ocorrido pelo jornal da manhã. O avô
sobrevivera, mas ainda estava internado na UTI.
A casa da menina estava igual à do amigo, muito embora ela
tivesse discutido com o pai e a madrasta por causa disso. Ela acabou lhes
contando a verdade, mas eles não acreditaram, é claro, e brigaram com ela.
Tainá armou-se como pôde, e passou mais uma noite a esperar
o fim da vingança.
Ela não ia se dar por vencida. Jamais.
AMEI, de verdade! Só que encontrei dois "errinhos": na frase "O espírito pediu, por fim, apenas o nome completo da nossa inimiga. Forneceram, tremendo.", esse "da nossa" não deveria dar lugar a algo como "de sua", visto que vc está como narradora? E na frase "A garota conseguiu tirar uma foto com o celular, antes de a tela apagar, junto com todas as luzes acesas." eu sugeriria finalizar com "junto com todas as outras luzes da casa", por exemplo, pois dessa forma achei estranho. Gostei muito, parabéns =D
ResponderExcluirO primeiro erro aconteceu porque eu comecei o conto em primeira pessoa, depois mudei, e isso escapou xD Vou corrigir agora mesmo!
ExcluirE, quanto ao segundo, eu tinha escrito "da casa" mesmo, mas queria dar a entender que tinha poucas luzes acesas na casa (afinal, era meia noite e os pais dela estavam dormindo). Vou tentar melhorar isso.
Valeu pelo comentário!