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quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Livros do Vestibular UDESC 2016-1: O Cortiço, de Aluísio Azevedo

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Aviso: contém spoilers.
Esse é um livro que eu nunca tive vontade de ler. Foi um sacrifício pra começar, continuar, terminar. Chatin, chatin. Mas eu me adianto.

Eu já devo ter dito que vou prestar vestibular pra moda, no final do ano. Pois então. Comecei a estudar, e pelo mais fácil: ler os livros. O primeiro foi um que eu já tinha em casa, que peguei no Floripa Letrada há uns anos - e guardei porque a Andy também queria ler, mas acabou não lendo. O fato é que pretendo devolvê-lo logo ao terminal. Foi  O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna. Mas, como eu já terminei O Cortiço, e acabei a resenha dele primeiro, vou postar ele primeiro.

O Cortiço (um dos maiores expoentes do Naturalismo no Brasil) conta a história de João Romão, um português que começou a vida muito pobre e foi, aos poucos, à custa de muito trabalho e muita corrupção, enriquecendo, até que, enfim, casa-se com uma filha de um barão e se torna um homem respeitável na sociedade. O livro é um poço sem fundo de lugares e senso comuns. Não falta nem o famoso "brasileiro é vagabundo, europeu é trabalhador", a "mulata lasciva", a negra burro de carga, as lavadeiras fofoqueiras, os barracos, sexo explícito, muito racismo e machismo. 

Pra vocês terem noção, explicando a queda que Rita Baiana (a mulata lasciva) tem por Jerônimo, português, ele diz "o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior". Pensem! Esse é o exemplo mais vivo e contundente, mas há muitos outros. 

Outro exemplo, agora de machismo. Pombinha, depois da menstruação, passa a desprezar os homens. Aí eu pensei que ia vir misandria, mas acabou só sendo um "você tem um momento pra ouvir o sofrimento duzomi?". Encontrei o trecho: 

Que estranho poder era esse, que a mulher exercia sobre eles (os homens), a tal ponto, que os infelizes, carregados de desonra e de ludíbrio, ainda vinham covardes e suplicantes mendigar-lhe o perdão pelo mal que ela lhes fizera?...

e depois continua: "E viu o Firmo e o Jerônimo atassalharem-se como dois cães que disputam uma cadela da rua" (a pobre mulher do Jerônimo, que foi largada à mingua e se tornou alcoólatra, foi violentada diversas vezes e, por fim, expulsa do cortiço, ela não viu, né?); e viu o Miranda, lá defronte, subalterno ao lado da esposa infiel (esse Miranda ficou com a mulher por causa do dinheiro dela); e viu o Domingos, que fora da venda, furtando horas ao sono, depois de um trabalho de barro, e perdendo seu emprego e as economias ajuntadas com sacrifício, para ter um instante de luxúria entre as pernas de uma desgraçadinha irresponsável e tola (a moça que ficou grávida, foi abandonada, primeiro pelo próprio Domingos e depois pela mãe, que bateu horrores nela, e que foi viver com vários homens, um deles lhe batendo tanto que ela abortou, ela não viu). Enfim, sofrimento duzomi.

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No fim, não evoluímos quase nada, a julgar pelos comentários que se vê internet a fora. O próprio Aluísio ficaria envergonhado. 

Voltando ao assunto: é claro que esses temas devem ser debatidos e que o livro deve ser lido. Mas muito bem criticados, e não simplesmente jogar nossos adolescentes sozinhos com um romance dessa envergadura, mostrando pra eles coisas inúteis como "escola literária". 

Além da história principal, o livro conta as picuinhas dos moradores do cortiço. Uma que engravida, a outra que não menstrua, briga de vizinho, mulher que trai o marido, e por aí vai. Uma coleção de fofocas, se formos pensar bem. Agora me veio: que romance/novela não é uma fofoca?  Nós, leitores, ávidos por cuidar e viver vidas alheias (inventadas ou não, que importa?) devoramos grandes tomos de fofocas bem escritas e ainda discutimos sobre elas, posando de eruditos. Capitu traiu ou não traiu? Pura fofoca. Autobiografias, então...

Claro que o livro é muito maior do que isso, mas eu consigo ver muito mais o retrato da época, do pensamento da época, do que uma obra prima literária. Ao final do livro - que ironia - tem um texto sobre "Por que ler os clássicos", baseado, é claro, no Ítalo Calvino, que eu já conheço. O texto termina com:

A escola e a universidade deveriam servir para fazer entender que nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão; mas fazem de tudo para que se acredite no contrário.

O engraçado é que eu, tendo estudado quatro anos de literatura, ainda prefiro ler uma opinião dum crítico da obra depois de tê-la lido, pra garantir que eu "entenda tudo" o que o livro quis passar. Acho que eu comecei a fazer isso depois da faculdade. Ela me deixou com uma insegurança quanto ao meu próprio julgamento literário, embora eu tenha passado esses quatro anos redigindo ensaios sobre obras literárias. 

Por falar em ironias, o final da história traz uma ironia pesada (não tão sutil como as do Machado, mas ainda assim uma ironia). Para se livrar de Bertoleza, a escrava que ele enganou, João Romão procura os antigos donos dela, e a denuncia. Eles vão buscá-la. Para evitar ser pega, a coitada se suicida. Em seguida, aparece uma comissão de abolicionistas que vinha trazer o diploma de sócio benemérito para o João Romão. Pesado. 

Já contei o final do livro, já estraguei tudo. Enfim. Eu li já sabendo, não só o final, mas várias coisas, inclusive a cena em que Pombinha menstrua. É uma cena bonita, em que ele compara o sangue e o sol, e uma bela borboleta com as asas de fogo ameaça pousar no ventre da menina. Chega a ser poético (mas aí entra no terreno da poesia e do simbolismo, e eu não manjo nada desse assunto). Ah, claro, a menstruação da Pombinha. Ela era uma menina normal, muito meiga e doce, com um noivo, mas a mãe dela não queria casar ela enquanto não viesse a menarca. E dá-lhe promessa pra Nossa Senhora, e nada da guria sangrar. Um belo dia, depois de ser violentada pela rica prostituta Léonie (não consigo chamar aquilo de outra palavra além de estupro), ela fica o dia todo se sentindo mal e, ao deitar pra descansar, sonha com o sol e a borboleta, e enfim "vira moça".

Pra finalizar: não recomendo. Claro que um clássico é sempre um clássico, e ninguém vai perder nada ao ler, mas não é um livro divertido, do tipo que se lê por fruição. Os naturalistas tinham a ambição de retratar cientificamente a sociedade (o que, como vimos, não conseguiram, pois ele faz diversas afirmações que foram desmentidas pelo tempo e que hoje sabemos ser só senso comum - diametralmente oposto ao científico que almejavam) e, portanto, nada de idealismos fofos típicos do romantismo. Numa coisa conseguiram: criaram uma ciência fria e crua da sociedade. (E agora vem a física quântica e cria uma ciência com um pezinho nas humanas, e esses caras caem do cavalo. Mas eu me adianto e ainda começo a falar de um assunto que não entendo patavinas).

Galere, deixem um comentariozinho aí pra me dar uma forcinha, sim?


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